Sábado, 05 de Maio de 2012


Escrever-se hão iniciaes maiúsculas em meio de períodos ou orações gramaticais, nos seguintes casos (…) f) Nomes dos meses 

Diário do Governo n.º 213, 12 de Setembro de 1911, p. 3850 

 

1. Em 1903, no prefácio de Portugais • phonétique et phonologie • morphologie • textes, advertia Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, acerca dos escritos que encerram a obra: “Les lecteurs seront surpris de rencontrer dans les textes des contradictions et des irrégularités orthographiques. J’ai gardé l’orthographe de chaque écrivain, à fin de mettre sous leurs yeux l’état anarchique où elle se trouve”.  Surpreendido  ficaria decerto Gonçalves Viana se pudesse apreciar as actuais contradições e o actual estado anárquico da ortografia portuguesa, passados mais de cento e nove anos sobre aquelas linhas e quase cento e um anos sobre a entrada em vigor da “sua” reforma.

 

Mais surpreendido ficaria se lhe contassem que a causa do regresso às contradições e irregularidades fora uma reforma disfarçada de acordo. Soubera ainda Gonçalves Viana que o próprio Estado promotor desse acordo era dos primeiros a dar exemplos claros da anarquia ortográfica (ou “mixórdia acordesa”, como prudentemente lhe chamou António Emiliano, no PÚBLICO de 19/4/2012) e ficaria decerto com o semblante carregado de estupefacção.

 

Ao abrirmos a página da Internet do Governo português, duas setas ajudam-nos a folhear cinco imagens, correspondendo a maioria destas a uma fotografia do primeiro-ministro, só ou acompanhado, com uma citação alusiva à actualidade. Por debaixo deste pequeno álbum, surge uma rubrica intitulada “em destaque”, imediatamente seguida pelo repositório que despertará o nosso interesse, composto por duas ligações: uma à esquerda, a outra à direita. A da esquerda é uma recomendação: “mantenha-se atualizado [sic]”. Resolvamo-la de uma penada, ignorando serenamente o seu conteúdo, tão serenamente como o Estado ignorou o recheio dos pareceres de Ivo Castro, Inês Duarte e Maria Helena Mira Mateus, e concentremo-nos na ligação da direita: “documentos oficiais”.

 

Quando um documento obtém chancela oficial, sabemos que não se trata nem de gatafunhos rabiscados num rascunho, nem de documento de sessão, nem de roteiro de um trabalho em curso. Sendo oficial, representa a peremptória palavra do Poder. Sendo oficial, é solene e sério. Dos documentos oficiais disponíveis na ligação mencionada, debrucemo-nos apenas na Resolução da CPLP sobre a Situação na Guiné-Bissau (doravante, Resolução), assinada em Lisboa, em 14/4/2012. O estatuto oficial deste documento, remate de um mosaico composto por textos desastrosos do ponto de vista ortográfico (recordo que, em Portugal, quem define a ortografia é o Estado), demonstra que os conceitos heterografia, mixórdia ortográfica e estado de anarquia ortográfica infectaram a grafia oficial. Em teoria, previra-se esta situação com o texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). Na prática, o relatório do Orçamento do Estado para 2012 demonstrara-a. Entretanto, o Diário da República e o Governo, cada um com o seu padrão específico, têm vindo a vulgarizá-la.

 

A Resolução é a nova referência da crónica inaplicabilidade do AO90 e a prova da imperiosa necessidade, no mínimo, da sua suspensão até chegar o “diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação”, assumido como necessário pela própria CPLP na Declaração de Luanda de 30/3/2012. A CPLP não é uma entidade abstracta. Uma das assinaturas que constam desse documento é a de Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência da República Portuguesa. A relevante observação de Nuno Pacheco, no PÚBLICO de 22/4/2012 (“Abril escreve-se hoje abril, com caixa baixa, já repararam?”), chegou tarde de mais. As três ocorrências de “Abril” na Resolução são mais uma prova do carácter supérfluo da base XIX, 1.º, b) para a tal “unidade essencial da língua”, pois ninguém na CPLP se apoquentou com a maiúscula inicial.  A base XIX, 1.º, b) é efectivamente desnecessária.

 

Quanto mais o Estado adia a suspensão e o “ajustamento”, mais se prolonga este triste espectáculo da descredibilização da língua portuguesa, da desregrada coexistência de duas grafias no mesmo texto (“sector” e “setor”, como acontece na Resolução) e do paradoxo de o Estado português exigir que “serviços, organismos e entidades” se convertam a uma norma que ele próprio não domina, apesar de a ter criado.

 

2. Vindo “Abril” a talhe de foice, e agradecendo publicamente o mote a Fernando Venâncio e a Ivo Miguel Barroso, recordo uma conjectura de Edite Estrela, Maria José Leitão e Maria Almira Soares (em manual que mencionei no PÚBLICO de 29/2/2012): “qualquer estudo diacrónico pode concluir que não há uma tradição ortográfica na língua portuguesa”. Este postulado merece a minha categórica objecção: existe uma tradição doutrinária e, no que aos nomes dos meses com maiúsculas iniciais diz respeito, a tradição é perceptível e está enraizada nas mais venturosas empresas de sistematização da ortografia portuguesa (Madureira Feijó), no estabelecimento de directrizes para uma norma ortográfica (Bluteau), na fundação da lexicografia moderna do português (Morais Silva) e nos preceitos ortográficos de 1911 e 1945.

 

Esta tradição é interrompida, de forma abrupta, injustificada e oficial, pelo AO90. Apesar de autores do século XIX e do início do século XX usarem minúsculas iniciais nos nomes dos meses, de a publicação de dicionários no século XIX ter sido transferida para Paris e de em França (onde Abril é avril) se encontrarem então os “mais operosos dicionaristas portugueses, em condições de alargado contacto com a lexicografia estrangeira e de inevitáveis influências sobretudo francesas”, como recorda Telmo Verdelho, em Dicionários portugueses, breve história (texto disponível no sítio do Corpus Lexicográfico do Português — U. Aveiro e U. Lisboa), na hora da verdade, não se adoptaram as minúsculas iniciais nos nomes dos meses.

 

Tanto assim é que, apesar de no opúsculo Ortografia Nacional (1904) Gonçalves Viana recorrer às minúsculas iniciais nos nomes dos meses e de o Diário do Governo adoptar essa grafia, a Comissão de 1911 viria a consolidar a tradição, sendo clara no princípio que surge em epígrafe. Não basta dizer-se que a tradição não existe, é preciso provar a sua inexistência. Em português europeu, Abril não é abril. Em português europeu, Abril é Abril. Sempre.


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publicado por fmvalada às 10:51
Quarta-feira, 29 de Fevereiro de 2012

 

«Depois, a escrita não reproduz fielmente a fala, como sugere a metáfora tantas vezes repetida de que “ela é a roupagem da língua oral”. Ela tem as suas leis próprias e tem um caminho próprio.»
Joaquim Mattoso Camara Jr., Estrutura da Língua Portuguesa, Petrópolis, Vozes, 2009 [1970], p. 20.

 

«Como seria a nossa vida se tivéssemos de raciocinar letra a letra para descodificar as palavras?»
Nuno Crato, O “Eduquês” em Discurso Directo, Lisboa, Gradiva, 2011 [2006], p. 103.

 

1. Todos os dias, ao final da tarde, ocorre um fenómeno a oeste, ao qual, sem sombra de estupefacção, continuamos a atribuir o nome de pôr do Sol. O nome dado ao fenómeno, consequência da nossa percepção em contemplação pura do horizonte, não é corroborado pela actual acepção do movimento dos corpos celestes. Desde que Galileu, em resistência murmurada, mas não silenciosa, terá pronunciado “eppur si muove”, conceptualmente, o pôr do Sol lá foi deixando de existir. Alguns séculos mais tarde, mais propriamente em Junho do ano passado, saiu do prelo o manual “Saber Usar a Nova Ortografia”, de Edite Estrela, Maria José Leitão e Maria Almira Soares, cujos segmentos de recapitulação histórica (pp. 18-27) e de carácter substantivo (pp. 29-226) me merecem comentários, mas, por evidentes limitações de espaço para apreciação justa e recta, não serão hoje objecto de análise.

Interessa-me, por ora, rebater exclusivamente a vertente conceptual do livro de Estrela, Leitão & Soares, traçada no lapidar “a ortografia não é mais do que a aparência da língua, a sua pele” (p. 14), uma reiteração de ideia já enunciada pela primeira Autora, na página 18 do livro “A Questão Ortográfica”, de 1993, encontrando-se agora a frase despojada do remate original “e por isso de importância secundária”.

Qualquer redução do conceito ortografia ao papel de actriz secundária é inexacta e desprovida de sentido em sociedades em que a escrita influencia e domina aspectos essenciais do quotidiano. Desde o final dos anos 70 do século passado, têm-se realizado estudos que consideram aspectos que não são devidamente considerados pelas Autoras: a influência da ortografia no conhecimento da língua e o primeiro contacto com determinadas palavras estabelecido através da escrita e não da oralidade. Sem entrar em pormenores (a bibliografia é extensa, pormenorizada e posso facultá-la), pensemos na diferença em termos de relação com a língua entre quem sabe ler e escrever e quem não sabe e na discriminação associada a esta dicotomia.

Na página 14 da obra em apreço, as Autoras sugerem que “as alterações do novo acordo ortográfico” vão no sentido de “reduzir ao mínimo o desacordo entre a palavra e a linguagem escrita” (in Maria Leonor Carvalhão Buescu, “Gramáticos Portugueses do Século XVI”, 1978, p. 29). Contudo, ao contrário do postulado das Autoras, o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) não reduz, antes amplia, “o desacordo entre a palavra e a linguagem escrita”. A base IX suprime acentos desambiguadores e a base IV elimina consoantes com valor de acento. Em português europeu, além de outros aspectos, também o grau de correspondência existente entre os planos escrito e oral é gravemente afectado pelo AO90.

Quanto ao “a ortografia não é mais do que a aparência da língua, a sua pele”, a metáfora de Estrela (1993) e de Estrela, Leitão & Soares (2011) falha o objectivo pretendido (alegar que a ortografia é aparência da língua, tal como a pele é aparência do corpo), pois o elemento pele não é aparência, é essência. A pele, além de contracenar com o fígado na saga “qual é o maior órgão do corpo humano?”, é protectora do organismo contra agressões externas e reguladora da temperatura do corpo, impede a desidratação e desempenha um papel crucial no recurso a um dos dois sentidos afectados pelo AO90: o tacto português.

A propósito, se para este desfecho me tivesse alicerçado na plataforma adoptada pelo Governo português, o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), a “base de legitimação científica” (p. 11) das Autoras, ter-me-ia deparado com mais uma das disparidades entre português europeu e português do Brasil criadas pelo AO90. Contudo, o que se passa é bem mais grave. Diz-nos o VOP do ILTEC que “tacto” e “olfacto” apenas se escrevem com cê no Brasil. Isto é francamente estranho. “Olfacto” e “tacto” não surgem no Dicionário Houaiss (edição de 2009) e no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), organizado por Malaca Casteleiro, co-autor do AO90, aparece a pronunciação do cê no “olfacto” do português europeu. As Autoras podem repetir até à exaustão que “a aproximação [?] ortográfica não interfere com (…) a ortoépia” (p. 13), mas, a partir de “olfato” [sic] AO90, quem tira legitimidade à pronunciação daquele cê? Um vocabulário ortográfico.

 

2. Ao ler o editorial d’A Bola de 31/12/2011, recordei-me de Marx in Soho, peça de Howard Zinn, em que Karl Marx regressa do Além, para nos explicar aquilo que pensa. Sem intermediários. A páginas tantas, Marx vagueia pelas ocorrências posteriores à captura de Napoleão III. As tropas de Bismarck invadem Paris e a recepção que obtêm é mais devastadora do que violência e ira da população. As estátuas estão envoltas em panos negros e há uma imensa, invisível e silenciosa resistência. Perante este cenário, as tropas partem, temendo essa resistência. Silenciosa.

Provavelmente, o director d’A Bola assistiu à peça e pensou que, através da silenciosa resistência nela reflectida, obteria os mesmos resultados. No editorial de 31/12/2011, lê-se o seguinte: “A partir da sua próxima edição (2 de Janeiro), primeira do ano de 2012, A Bola adere ao acordo ortográfico. Para trás fica um tempo de silenciosa resistência a um acordo do qual profundamente discordamos.” Foi efectivamente silenciosa. Nem chegou aos calcanhares duma consoante não pronunciada. Não fixou nada, não teve qualquer importância e ninguém deu por ela. Foi profunda. Só nos apercebemos que existia no dia da capitulação.

Como se sabe, a silenciosa resistência de Vítor Serpa produziu frutos: o AO90 instalou-se na redacção d’A Bola e estendeu-se num pachorrento sofá, charutando triunfalmente. Num país europeu em que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente aquilo que pensam pela palavra, o director dum jornal com tiragem de 120 mil exemplares preferiu respeitar votos de silêncio e quebrá-los apenas no momento da rendição. Eis um exemplo a não seguir.

 

3. Como diz Michael Cahill (noutro contexto), não são factores linguísticos que determinam a aceitação duma ortografia, mas “aquilo que as pessoas querem”. A direcção do PÚBLICO não quer o AO90, eu não quero o AO90, aparentemente, poucos o querem. Em vez de silenciosas resistências e fugas para a frente, subscreva-se a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (http://ilcao.cedilha.net).

 


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publicado por fmvalada às 15:24
Quinta-feira, 24 de Novembro de 2011

 

 

 

“Sou um professor pensador, não preciso do programa para me dizer o que devo fazer. Os colegas que querem que o programa seja prescritivo e autoritário são meros funcionários”
Paulo Feytor Pinto, Jornal de Notícias, 27/3/2010

 

 

 

 

“O professor tem que saber e tem que cumprir as regras que lhe são ditadas”
Edviges Ferreira, Sociedade Civil, RTP, 13/1/2010

 

 

1. Aparentemente, terá passado despercebida a entrevista de Francisco José Viegas ao Correio da Manhã de 30/10/2011, em que o secretário de Estado da Cultura escancara a porta à revisão do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) e impugna o conteúdo quer das actuais “acções de formação”, quer, em última análise, do próprio AO90. Sublinha Francisco José Viegas que embora o AO90 seja “irreversível não quer dizer que não seja corrigível”. O AO90 é corrigível. Houve um responsável político que o disse. É um facto. Resta saber se Francisco José Viegas, além de comunicar tal iniciativa ao Correio da Manhã, informou as escolas, o Governo e “todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo”, não esquecendo os redactores do Diário da República. Na ordem do dia, teremos, em conjectura e se tudo correr bem, além da reavaliação da base IV e da eliminação da base IX, a completa inutilidade das publicações actualmente saídas do Lince com amputação consonântica, mutilação diacrítica, hifenização arbitrária e facultatividade à vontade do freguês. Seria importante que este intuito de Francisco José Viegas passasse das páginas do Correio da Manhã para as mesas de trabalho do senhor ministro Nuno Crato e da senhora presidente da Associação de Professores de Português (APP), Edviges Ferreira.

 

2. Em entrevista à Única do Expresso de 3/9/2011, Nuno Crato alegava que o AO90 “é um facto. Como disse salvo erro o ministro dos Negócios Estrangeiros, neste momento não é uma questão de opinião”. Antes pelo contrário. Enquanto o desígnio de Francisco José Viegas não se concretizar, o texto em apreço será sempre uma súmula de opiniões órfãs e descosidas e não uma colectânea de factos comprováveis. Desafio o senhor ministro a ler a alínea c) do ponto 4.2 da Nota Explicativa e a exigir: i) estudos sobre o “enorme esforço de memorização” das crianças de 6-7 anos diante dos P de recepção e C de selecção pré-AO90; ii) estudos que comprovem um menor “esforço de memorização” perante o “-eção” da receção AO90 e o “-essão” da recessão comum; iii) averiguar se esse “esforço de memorização” levou os autores do AO90 à criação, na base IV, 1.º, b), do espectro que ensombrou a recta final do século XX: a enigmática figura da letra C em aflição e em aflito…

 

3. Há dois meses, assustei-me com o formidável objectivo que Edviges Ferreira pretende obstinadamente atingir: “Penalizar os seus alunos que escreverem com a antiga grafia” (PÚBLICO, 8/9/2011). Aparentemente, nada demove a presidente da APP da exemplar aplicação dos respectivos e correspondentes correctivos, nem sequer a nota ministerial de 6/9/2011 a determinar que se “considerarão como válidas exclusivamente as regras definidas pelo AO a partir dos anos letivos [sic]” 2013-14 (6.º ano) e 2014-15 (4.º, 9.º, 11.º e 12.º anos). Seis dias depois, a presidente da APP voltava à carga no Correio da Manhã (12/9/2011), num registo mais suave, sem soar a palmatória: “Entendo que se deve penalizar os erros, mas isso fica ao critério dos professores” . As regras determinam 13-14 e 14-15, mas Edviges Ferreira quer fugir para a frente e começar a castigar de rompante, em 11-12, sem vocabulário ortográfico estável, sem acções de formação esclarecedoras, sem consideração ponderada, séria e objectiva dos pareceres científicos.

 

4. Assegurava a presidente da APP, na edição de 7/9/2011 do Jornal de Letras, que “contra as mudanças há sempre muitos “velhos do Restelo”". Sempre me surpreendeu o silêncio com que os especialistas em estudos camonianos reagem a este tropo recorrente: o Velho do Restelo vem invariavelmente à tona para silenciar a opinião contrária. Em vez de se discutir, debater e esclarecer, emerge o venerando homem e afunda-se a discussão. Na estrofe 94 do Canto IV d”Os Lusíadas, não é prestada qualquer informação sobre o mister da personagem. Durante a prelecção a que se dedica (estrofes 95-104), apesar de revelar aptidão para discorrer sobre mitologia, geografia e actualidade de finais do século XV, o Velho do Restelo não alude a qualquer aspecto cartográfico, não se pronuncia sobre a construção e a reparação das naus, remetendo-se a um prudente silêncio acerca de instrumentos náuticos, cálculos matemáticos e cosmográficos. Temos a certeza de que a opinião do “Velho do Restelo” não é uma opinião técnica avalizada. Pelo contrário, “contra as mudanças” foram elaborados pareceres, milagrosamente desencarcerados da gaveta onde se encontravam a acumular bolor, graças à acção da senhora deputada Zita Seabra. Reduzir quem se dedica ao estudo das escritas de base alfabética à condição de Velho do Restelo é inaceitável. Gregory Bateson (a propósito do “órgão da linguagem”) recomendava prudência na leitura das metáforas de Noam Chomsky. O mesmo conselho fica para quem envereda pelo atalho da menção àquele que, do cais, com voz peſada hum pouco aleuantando, se limitou a reflectir uma opinião não especializada sobre a gesta.

 

5. Teria Paulo Feytor Pinto (ex-presidente da APP) abandonado a óptica do “basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las” (PÚBLICO, 2/9/2009)? Teria sido anunciado que Paulo Feytor Pinto subscrevera a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (http://ilcao.cedilha.net/)? “Regras com ambiguidades que abrem a porta a arbitrariedades e que, por isso, são uma ameaça à transparência” (PÚBLICO, 8/9/2011) seria a solução do enigma defina as bases IV e IX do AO90 em termos técnicos e em dezoito palavras. O repto era, afinal, outro.


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publicado por fmvalada às 14:54
Quinta-feira, 13 de Outubro de 2011

 

 

 

Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento
- Camões, Os Lusíadas (X, 150)

 

1. No passado dia 28 de Fevereiro, Margarita Correia, responsável pela coordenação do Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC, apresentou uma comunicação ("Como usar a nova ortografia?") na sala Ursa Maior do Madeira Tecnopólo. Na altura, recebi ecos dessa intervenção. Recentemente, pude verificar a fiabilidade dos ecos, após a Secretaria Regional de Educação e Cultura do Governo Regional da Madeira ter disponibilizado os vídeos da sessão (1).

 

Explicou M. Correia que o texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) é constituído por bases, vacilando contudo na quantidade: "Trinta e uma ou 32, nunca sei ao certo". Acontece que, das duas, nenhuma: nem 31, nem 32, apenas e tão-somente 21. A primeira base é a base I e a última a XXI. Com todo o respeito, se um camoniano dissesse publicamente que Os Lusíadas eram compostos por "21 ou 22 cantos, nunca sei ao certo", a conversa ficaria certamente por aí, não tanto pelo engano, mas por desinteresse pelo rigor. Já agora e para que não restem dúvidas, Os Lusíadas têm tão-somente dez cantos. Não há décimo segundo nem vigésimo primeiro. E as bases do AO90 são 21.

 

Quanto à hifenização, M. Correia perguntou aos presentes quantos destes sabiam usar efectivamente o hífen "em português". Solicitando uma resposta mental da assistência (i.e., sem prolação), M. Correia continuou no seu solilóquio e rematou: "Não há maneira de se aprenderem as regras todas de uma vez". Pelo meio, confessou que "é um dos aspectos menos conseguidos do acordo", terminando com um penoso "mas, pronto, era preciso aplicar". O efeito retórico fora criado logo à partida: não havendo motivo para se mudar o presente, lança-se um anátema sobre a regra actual, para se justificar a mudança, apesar de a mudança ser atreita a excepções do arco-da-velha (com hífenes).

 

Como o "bico-de-papagaio", esse genuíno bico-de-obra. Disse M. Correia que, na acepção de flor, se escreve com hífenes, enquanto na acepção de espondilose se redige sem hífenes. M. Correia antecipou: "Isto é muito estranho, mas eu pergunto às pessoas que estão na sala
quantas vezes escreveram a expressão "bico-de-papagaio"". Esta lógica da retracção no momento da crítica, tendo em conta a frequência pessoal de uso, é perniciosa: a) pode querer dizer que possíveis mudanças em formas como "prendam-me", "coitadas", "tê-lo-íamos" ou "tê-lo-ão" não poderiam ser objecto de crítica, apesar de terem o mesmo número de ocorrências de "bicos-de-papagaio" num corpus que M. Correia conhecerá, se não melhor, pelo menos há mais tempo do que eu; b) pode querer dizer o contrário, ou seja, considerando a elevada ocorrência da palavra "Egipto" em textos redigidos por egiptólogos, só nesta área específica se poderia criticar a supressão de P ("Egito") e, em última análise, atribuir-se-lhe uma derrogação. Validar uma crítica pela frequência do objecto e não pela pertinência do argumento aduzido é prática simultaneamente arenosa e movediça.

 

Por exemplo, eu estaria impossibilitado de contestar esta regra, dado que, graças a esta crónica, me estreio na redacção de "bico-de-papagaio". Após M. Correia referir "bico-de-papagaio", verifiquei no seu VOP que a responsável pela sua elaboração não considerou que o singular de "bicos-de-papagaio" sem hífenes é "bicos de papagaio". Exactamente igual: no plural e no singular. Com "esse"depois do "o" final de "bico". Mas sem hífenes. Para distinguir da flor. Presume-se. Se M. Correia tivesse consultado o seu próprio VOP, teria verificado ser o singular da flor "bico-de-papagaio" e o da doença "bicos de papagaio", sem hífenes a separar os elementos e com "esse" final no primeiro elemento.

 

2. Proença de Carvalho e Salazar Casanova (Boletim da Ordem dos Advogados n.º 73, Dezembro de 2010, p. 35) afirmam não haver "sanções directas" para quem não cumprir as regras do AO90. Contudo, acrescentam: "Sem prejuízo de o desrespeito voluntário pelo AO poder ser considerado, por exemplo, um "ilícito disciplinar" no âmbito de uma relação laboral ou da função pública". Ilícito disciplinar. José António Pinto Ribeiro, segundo ministro da Cultura do XVII Governo Constitucional, afirmou o seguinte à Lusa, em 16.8.2008: "Ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas". Se eu fosse deputado à Assembleia da República, convocaria Pinto Ribeiro, Proença de Carvalho e Salazar Casanova, com carácter de urgência, para responderem em sede de comissão parlamentar a este imbróglio: uns mencionam "ilícito disciplinar", outro disse que ninguém seria "punido". Quid juris?

 

Enquanto jurista, Pinto Ribeiro sabe melhor do que eu que se é "punido" por "ilícito disciplinar". Enquanto jurista, as palavras "preso" e punido" têm um peso importante quando as pronuncia. Terá havido quem no sector público ficasse descansado perante a prometida inexistência de punição por incumprimento do AO90. O parecer de Proença de Carvalho e de Salazar Casanova contradiz a promessa de um ministro de Portugal, cuja acção foi determinante para o desastre ortográfico que se nos apresenta. Aqui, das duas uma: ou Pinto Ribeiro falou de cor e deve por isso responder perante os portugueses, ou realmente não há punição para quem não cumprir e os interessados devem ser informados.
Tertium non datur.

 

* Autor de Demanda, Deriva, Desastre - Os três dês do Acordo Ortográfico (Textiverso, 2009)

 

(1) - http://videos.sapo.pt/ruQY3B77tkqeVZjpzhRp


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publicado por fmvalada às 14:42
Terça-feira, 02 de Agosto de 2011

 

 

 

 

                             

 

 

 

Sed cum legebat, oculi ducebantur per paginas et cor intellectum rimabatur, vox autem et lingua quiescebant.

- Santo Agostinho, Confissões, 6.3

 

 

 

No PÚBLICO de 7.1.2010, referi que o debate em redor do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) regressara à estaca zero. Com o artigo de Jorge Miranda Brevíssimas notas sobre três questões sérias (PÚBLICO, 13.7.2011), comprova-se quer o poder magnético dessa estaca zero, quer o facto de a polaridade induzida por todos os artigos, livros, estudos e pareceres o não conseguir anular. Vogar nesta corrente viciosa é experiência a evitar a todo o custo e atitude a suspender urgentemente.

 

Não creio numa sociedade que, em simultâneo, seja avançada e ignore a academia, derrubando doutrinas, uma após outra, navegando ao sabor da espuma atlântica, ocultando estudos e pareceres científicos imparciais. Não me reflicto numa sociedade que adopte acriticamente o AO90. Não entendo como, detectados e estudados os seus defeitos, a sua aplicação continue a ser olimpicamente anunciada. Não percebo como é possível que comentários laterais tenham precedência sobre o estudo e a análise, substituindo-os definitivamente.

 

O título desta crónica remete para elementos aparentemente ignorados por Jorge Miranda. Os erros do AO90 não se limitam nem a gralhas nem a falhas de pormenor, antes o impossibilitam enquanto instrumento adequado para a ortografia do português europeu. Esses erros não foram corrigidos. A impossibilidade não pode nem deve ser ignorada. Os parâmetros que se envolvem no conhecimento da ortografia são seis, neles não se inclui a distribuição da população no hemisfério ocidental, e já os mencionei aqui no PÚBLICO (20.12.2010): fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e ortografia propriamente dita.

 

Jorge Miranda, das duas, uma: ou não leu os textos que nestas e noutras páginas se têm escrito, ou não os percebeu. Se não leu, é pena, pois estes foram escritos para serem lidos e compreendidos. Se leu e não percebeu, nestas páginas têm-se feito remissões para obras de referência e quem tem estudado o AO90 encontra-se disponível para elucidar os pontos eventualmente menos claros do raciocínio.

 

Por falar em explicações, gostaria que o professor Jorge Miranda percebesse que esta sua menção não tem qualquer fundamento: "O que está em causa é a afirmação da língua portuguesa como grande língua [...] e, para esse efeito, uma ortografia com um mínimo de diferenças revela-se indispensável". Trata-se de uma opinião da qual discordo, mas que obviamente respeito. Contudo, neste momento, com o ano lectivo na soleira da porta, trata-se de opinião que induz em erro quem a lê. Jorge Miranda refere-se com toda a certeza a outro acordo ortográfico, a um acordo imaginário. Ao de 1990 não se pode estar a referir. De certeza.

 

Lendo o texto de Jorge Miranda (escrito segundo o AO90), reparo que, relativamente às constituições americana e brasileira e para indicar os artigos correspondentes, utiliza o advérbio de modo "respetivamente", sem C. Partindo do princípio de que o Diário da República a partir de 1.1.2012 utilizará esta grafia, convido Jorge Miranda a ler atentamente o Diário Oficial da União (o homólogo brasileiro do DR) e a verificar que "respectivamente", com C, é a forma usada. A partir de 1.12.2012, teremos "respetivamente" no DR e "respectivamente" no DOU. Actualmente, temos "respectivamente" em ambos. A divergência entre grafias é criada pelo instrumento que Jorge Miranda imagina como a concretização de "ortografia com um mínimo de diferenças".

 

Espero que Jorge Miranda se tenha dado conta da simultaneidade da discrepância criada pelo AO90. Seria desnecessário repetir, mas por vezes é necessário: esta discrepância não existia antes do AO90. Além de "respectivamente" e "respetivamente", temos também "receção" em Portugal e "recepção" no Brasil, "aspeto" em Portugal e "aspecto" no Brasil, "conceção" em Portugal e "concepção" no Brasil. Reparará que, actualmente e em ambas as costas atlânticas, se escreve "recepção", "concepção", "respectivamente" e "aspecto". Estas divergências gráficas (fiquemo-nos por este aspecto e nem entremos no carácter irrestrito do conceito "facultatividade") são criadas pelo AO90.

 

Seguindo o raciocínio de Jorge Miranda, verifica-se que a aplicação do AO90 nos dois jornais oficiais conduzirá à situação contrária da por si defendida. Algo de errado se passa no raciocínio? Não. Algo de errado se passa no AO90. Entre a realidade das duplas grafias criadas pelo AO90 e o desiderato de Jorge Miranda "uma ortografia com um mínimo de diferenças revela-se indispensável" o fosso é enorme. Este fosso leva-me a partir do princípio de que a função de papel para forrar gavetas dos pareceres científicos solicitados pelo poder político foi devidamente cumprida: não foram lidos.

 

Pergunta Jorge Miranda: "Por que razão havia de ser o português europeu a determinar a língua escrita em confronto com o português do Brasil, usado por quase 200 milhões de pessoas?". O português europeu não deve determinar a forma escrita de qualquer outra das normas, nem qualquer dessas normas deve determinar a norma escrita do português europeu. Isto, em termos programáticos. Agora, quanto ao resto, no que diz respeito ao português europeu, já aqui se referiu o processo do vocalismo átono, factor importante e diferenciador de realidades da língua portuguesa.

 

Para que Jorge Miranda perceba o que é o processo do vocalismo átono, convido-o a fazer como na Idade Média: em vez de ler silenciosamente este texto, leia-o em voz alta e verifique que as sílabas na sua maioria são átonas e que, dessas átonas, praticamente todas são reduzidas.

 

Praticamente. Porque há excepções que podem ser marcadas por, imagine-se só, uma consoante não pronunciada. Como esta palavra que acabo de escrever: "excepções". A palavra "excepções" constitui uma excepção à regra, tal como a palavra excepção. Parece complicado, mas não é. Agora, se Jorge Miranda convidar um falante de português do Brasil a ler este texto em voz alta, descobrirá um admirável mundo novo. E descobrirá o porquê de "exceção" no Brasil e de "excepção" em Portugal.

 

Após nove anos de itinerância pela Europa institucional, confesso não ter percebido como é que através do AO90 se poderá "afirmar o português, o português internacional, na União Europeia", como refere Jorge Miranda. Através da introdução de "aspetos" e "conceções" que eram "aspectos" e "concepções" em Portugal e no Brasil e que agora só são "aspectos" e "concepções" no Brasil? Confesso que não percebo e admito que gostaria imenso de perceber.

 

* Autor de Demanda, Deriva, Desastre - os três dês do Acordo Ortográfico, Textiverso, 2009.


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publicado por fmvalada às 19:00
Quarta-feira, 06 de Julho de 2011

 

Por onde nao auia de auer peſſoa que ſe prezaſſe de ſi, que nao trabalhaſſe por ſaber algũ latim, que niſſo conſiſte o falar bem Portugues
- Pêro de Magalhães de Gândavo, 1574

 

 

Recente polémica nas páginas do Público, motivada por crítica ao singular uso de presidenta e à defesa da sua legitimação, leva-me a manifestar opinião sobre matéria não relacionada com ortografia. Uma estreia nestas páginas. E garanto, para gáudio de alguns, que não irei grafar o nome do instrumento de indesejável adopção, palavra com p não pronunciado, mas com valor diacrítico. Desta forma, poderá continuar a ler-me quem intencionalmente tem, desde os anos 80, ignorado os pareceres negativos elaborados sobre o dito instrumento, cujo nome, tal como o de Voldemort no Harry Potter, não será aqui mencionado.

 

1 - José Mário Costa (Público, 30.6.2011) pretende justificar a legitimação de presidenta, através da sua "generalizada atestação" em dicionários. Acrescenta que "pode não ser o recomendado ainda pela norma culta", mas adianta que Celso Cunha e Lindley Cintra, "ilustram outros femininos com similar formação, como "governanta", "infanta" ou "parenta"". Para mais tarde se reflectir, recordo que, na página 195 da edição que possuo da Gramática de Cunha & Cintra (18.ª, de 2005), os autores, além de presidenta, incluem giganta e hóspeda no "curso restrito do idioma". Porém, antes de me debruçar sobre os outros "femininos com similar formação" de J. M. Costa, entendamos o que é -ente e o porquê de presidente.

 

"Ente" é palavra portuguesa masculina, com origem no particípio presente (ens) do verbo latino esse. Sendo um ente um ser, temos em português cerca de quinhentos substantivos terminados em -ente, na sua maioria comuns de dois géneros. Há excepções e são honrosas: a serpente, ser que serpenteia; a gente, ser colectivo; o ambiente, aquilo que nos rodeia. Uma vidente é um ser que (aparentemente) vê o que é invisível ao comum dos mortais. Uma aderente e uma crente são entes do sexo feminino: as aderentes aderem e as crentes crêem. Como se vê, o género gramatical acaba de ser nitidamente indicado pelos respectivos artigos ("uma" e "as").

 

Como muito bem ilustrou António Emiliano, em artigo de Luís Miguel Queirós (Público, 24.6.2011): "Presidenta não é português". Corroboro a opinião de Emiliano e acrescento: videnta, crenta e aderenta não são palavras portuguesas. Para se legitimar uma presidenta, deve, em primeiro lugar, atribuir-se género feminino à palavra ente e depois avançar-se para enta. A partir daí, e só a partir daí, se poderá legitimar presidenta. Efectivamente, a partir de enta tudo pode acontecer. Faço igualmente notar que -enta é terminação de palavras femininas formadas, ou não, a partir de masculinos em -ento e não em -ente: ementa (sem masculino), mas avarenta (com masculino avarento). Apesar de haver quem diga sargenta, o ente que serve (servient), em contexto formal, é sargento e tem dois géneros.

 

Quando J. M. Costa refere "femininos com similar formação, como "governanta", "infanta"", faço notar que estas palavras não terminam em -enta, , mas em -anta, não sendo o masculino -ente, mas -ante. A "similar formação" é aparente e importante, mas é conveniente distinguir a importância da diferença. Daí, Cunha & Cintra (p. 195) referirem-se a -nte, não serpenteando por -ente nem por -ante.

 

O -ante em infante é um falso sufixo: não é -ante, mas -fante, do latim "fari" (falar). In-fante significa "que não fala", tal como prefaciar significa "falar no princípio". Infanta impôs-se, mas -ante não é sinónimo de -ente. Uma governanta e uma governante têm funções diferentes: a governanta governa uma casa, a governante governa um país. Continuando em -ante, elefante entrou no português através do latim e neste através do grego έλέφας, marfim). Não havendo sufixo comum que permita uma explicação com regra comum, como em -ente, abriu-se a porta à flexão do género em -ante. Convém igualmente distinguir que alifante era usada até ao século XVI, tendo a relatinização do português permitido que Cunha & Cintra tivessem apresentado como excepção à "igualdade formal" elefante/a e não alifante/a.

 

2 - No Diário de Notícias de 1.7.2011, a propósito de crónica de Vasco Graça Moura sobre o instrumento a cujo nome não aludo, J. M. Costa refere o seguinte: "não é razoável a persistência em argumentos inexactos, como, por exemplo, na questão da queda das consoantes "c" e "p" das sequências "cc", "ct", "pt", etc.". Salvo melhor opinião, o que "não é razoável" é a persistência de J. M. Costa em considerar opiniões não fundamentadas mais exactas do que conclusões de quem estuda esta matéria. O pecado não é original, note-se, mas convém não perpetuar a erva daninha semeada pelos adeptos do instrumento sem referências, que convém abandonar e cujo nome não menciono.

 

Aproveito os caracteres que me restam para informar que cobarde/covarde, febra/fevra, louro/loiro, ouro/oiro e afins não são variantes ortográficas, pois a sua "diferença" não remete para a grafia, mas para certos usos da fala ocorridos num determinado período. Cobarde e covarde não foram criadas por instrumento ortográfico, mas por pronunciações (e não "pronúncias") diferentes do "u" de couard (do fr. antigo para cauda); oiro e loiro coexistem com ouro e louro, mas a corruptela "au" g "ou" g "oi" ocorreu no século XVI, porventura por influência judaica: por exemplo, na Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente, os judeus Latão e Vidal usam hoiver, coisa, oiço e usam-nas em discurso oral, não em registo escrito. Afinal de contas, o teatro é o palco da oralidade por excelência.

 

Detenhamo-nos nesta ideia de indistintamente se poder usar fevra (e fêvera - J.M.Costa esqueceu-se de fêvera), covarde e oiro, quando na consulta de dicionários que J.M.Costa apresenta como referências se verifica remissão para febra, cobarde e ouro. Parte-se do princípio (e só deste) de que quem dicionarizou considerou estas entradas como as da norma-padrão, em sã convivência com outras. A fronteira prescrição/descrição é matéria delicada. Contudo, estes exemplos não são, nem de longe nem de perto, comparáveis com as facultatividades ortográficas irrestritas criadas pelo tal instrumento que nem sob coacção citarei. Muitas destas explicações estarão inclusive no Ciberdúvidas, em respostas dadas a consulentes. Consulentes, note-se. "Os" ou "as" consulentes. Consulenta, tal como presidenta, não é norma-padrão, aquilo que popularmente se chama "português correcto".

 

* Autor de Demanda, Deriva, Desastre - os três dês do Acordo Ortográfico, Textiverso, 2009

 


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publicado por fmvalada às 19:38
Sábado, 25 de Junho de 2011

 

 

 

 

Senhor Primeiro-Ministro
Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros
Senhor Ministro da Educação, do Ensino Superior e da Ciência

 

 

1. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO) foi aprovado em 1990 pelo Parlamento e ratificado pelo Presidente da República em 91, sendo mera adaptação do Acordo de 86, abandonado por força da reacção da opinião pública portuguesa. Ao contrário do AO de 86, que teve divulgação nos meios de comunicação portugueses, a redacção e tramitação do AO de 90 ocorreram discretamente, longe do olhar e escrutínio público dos portugueses.

 

2. Enquanto reforma ortográfica, o AO é um desastre: não assenta em nenhum consenso alargado, não foi objecto de discussão pública, não resulta do trabalho de especialistas competentes (a julgar pelas imprecisões, erros e inconsistências que contém e pelos problemas que cria) e vem minar, pela introdução generalizada e irrestrita de facultatividades ortográficas, a própria noção de ortografia. Tudo isto foi devidamente apontado por intelectuais e linguistas portugueses ao longo dos últimos 20 anos em pareceres, artigos e livros ignorados pelas entidades responsáveis. O único parecer favorável (assinado em 2005 por um dos co-autores do AO!) é o da Academia das Ciências, instituição que patrocinou a criação do acordo.

 

3. Os vícios do AO enquanto instrumento jurídico configuram mentiras gritantes vertidas em lei. No preâmbulo diz-se que "o texto do Acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos países signatários"; deste debate não há vestígio nem se conhece menção. A Nota Explicativa do AO refere estudos prévios dos quais não há registo, apresenta argumentos sem sustentação científica sobre o impacto do AO no vocabulário português (baseados numa lista desconhecida de 110 000 palavras e ignorando a importância de termos complexos, formas flexionadas de nomes e verbos e índice de frequência das palavras) e "explica" de forma confusa os aspectos mais controversos da reforma, p. ex. a consagração, como expediente de "unificação ortográfica", de divergências luso-brasileiras inultrapassáveis com o estatuto de grafias facultativas. Algumas dessas divergências existiam antes do AO ("fato" ~ "facto", "ação" ~ "acção", "cômodo" ~ "cómodo", "prêmio" ~ "prémio", "averígua" ~ "averigua", etc.); outras são criadas pelo próprio AO ("decepção" ~ "deceção", "espectador" ~ "espetador", "falamos ~ "falámos", "Filosofia" ~ "filosofia", "cor-de-rosa" ~ "cor de laranja", etc.). Pelo AO a palavra "decepcionámos" (e outras similares) passaria a escrever-se correctamente em todos os países lusófonos de quatro maneiras diferentes ("decepcionámos", "dececionámos", "decepcionamos", "dececionamos"). O termo "Electrotecnia e Electrónica" (designação de curso, disciplina e área do saber) poderia ser escrito de 32 maneiras diferentes, sem que o AO ofereça qualquer critério normativo. Sendo um tratado entre oito estados soberanos que reivindicam uma matriz cultural partilhada, o AO deveria ter concitado aceitação plena de (e em) todos os países signatários. Tal não aconteceu, o que, 21 anos após a sua assinatura, é prova dos problemas por ele criados.

 

4. Da VI Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP de 2010 resultou a Resolução sobre o Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa, com a seguinte recomendação (III.5): "Nos pontos em que o Acordo admite grafias facultativas, é recomendável que a opção por uma delas, a ser feita pelos órgãos nacionais competentes, siga a tradição ortográfica vigente em cada Estado Membro, a qual deve ser reconhecida e considerada válida em todos os sistemas educativos." Esta recomendação destitui, por si só, o AO de qualquer fundamento: como se pode defender simultaneamente um acordo que pretende unificar as tradições ortográficas vigentes nos Estados signatários através de facultatividades gráficas, e, ao mesmo tempo, propor-se que o problema das grafias facultativas se resolva pelo reconhecimento oficial de tradições ortográficas divergentes, logo, não unificadas?

 

5. Ninguém conhece as consequências reais do AO na sociedade portuguesa, pois nenhum estudo de avaliação de impacto foi feito e ninguém sabe estimar os custos da sua aplicação - que não serão só de ordem financeira - pois não há estudos de avaliação custo/benefício. Se os grandes projectos de Estado exigem a realização de estudos preparatórios - recorde-se que o aeroporto da Ota foi, após 30 anos de indecisão, abandonado por causa de um estudo técnico -, como se pode exigir menos relativamente à língua portuguesa escrita? A Lei de Bases de Protecção do Património Cultural inclui no conceito e âmbito do património cultural a língua portuguesa, nestes termos: "enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português." (art.º 2.º, n.º 2). É menos importante a estabilidade de um "fundamento da soberania nacional" do que um aeroporto?

 

6. Que o Estado português se proponha adoptar o AO sem um vocabulário normativo que não seja o vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa estipulado pelo art.º 2.º do AO (violando assim um tratado que assinou e ratificou) revela apenas a ligeireza com que esta matéria tem sido tratada e a incontrolada flexibilidade da aplicação prática do AO. Afinal, nenhum tratado internacional pode ficar sujeito a interpretações locais ou aplicações de carácter regional ou nacional.

 

7. O domínio da ortografia, sabe-se hoje, faz parte intrínseca da competência linguística dos falantes; não é simples "roupagem gráfica" da língua. E, como é reconhecido não só por académicos mas por instituições internacionais como, p. ex., a OCDE no relatório PISA 2003, a literacia - pedra angular da aquisição de todos os saberes formais e de todo e qualquer processo de aprendizagem escolar - pressupõe (em termos linguísticos estritos) o domínio de uma ortografia codificada estável, para além de um vasto conhecimento vocabular, gramatical e fonético.

 

8. O AO não serve o fim a que se destina - a unificação ortográfica da língua portuguesa - e assenta no pressuposto falacioso de que a unificação ortográfica supriria as diferenças já antigas entre português europeu e português do Brasil, de ordem fonológica, lexical e sintáctica. Mesmo que a unificação a 100% fosse possível (e o AO reconhece que não é), escrever de igual forma dos dois lados do Atlântico não assegura a compreensão mútua daquilo que é (cada vez mais) diferente e divergente.

 

9. Por atentar contra a estabilidade ortográfica em Portugal e integridade da língua portuguesa, o AO atenta contra o progresso e desenvolvimento do povo português em época particularmente difícil da sua História.

 

10. O AO é um erro monstruoso que VV. EE. têm o poder de corrigir, suspendendo a sua aplicação.

 

João Roque Dias - Tradutor certificado pela Associação Americana de Tradutores

 

António Emiliano - Professor de Linguística da UNL, autor de Fonética do Português Europeu e de Apologia do Desacordo Ortográfico

 

Francisco Miguel Valada - Intérprete de conferência junto das instituições da UE, autor de Demanda, Deriva, Desastre - Os Três Dês do Acordo Ortográfico

 

Maria do Carmo Vieira - Professora de Português e Francês, autora de O Ensino do Português



publicado por fmvalada às 18:28
Domingo, 19 de Junho de 2011

 

Quia parvus error in principio magnus est in fine
S. Tomás de Aquino, De ente et essentia

 

Há alguns meses, após ter apresentado uma comunicação no Instituto Franco-Português, em Lisboa, em seminário organizado pela União Latina,  fui publicamente confrontado pelo senhor embaixador Lauro Moreira, defensor do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) e então embaixador do  Brasil junto da CPLP, com o facto de insistentemente me referir à supressão do acento da flexão verbal “pára”. Tratava-se de reacção ao exemplo de que me munira: um título do PÚBLICO de 13/4/2009 (“Bloqueio nos fundos da UE pára projecto de milhões na área do regadio”). Após supressão do acento agudo, tal como prescrito pelo AO 90 na sua base IX, 9.º, qualquer leitor poderia ser induzido em erro, pois “para” tanto poderia ser preposição, como flexão verbal, com óbvias consequências sintácticas e semânticas de tal “simplificação” na frase em apreço.

 

Nesse longínquo mês de Novembro de 2009, recorri a uma ficção para ilustrar as consequências nefastas noutros planos, para além do grafofonémico. Infelizmente, com a adopção acrítica, obediente e arbitrária do AO 90 por parte de alguns meios de comunicação social, a  comedida simulação deu lugar a uma perceptível realidade. Um exemplo recente da RTP põe em causa valores fundamentais do elementar bom senso. Aparentemente, os comboios adquiriram o direito à greve.

 

Com “greve na CP para comboios em todo o país”, como se pode ler em notícia da RTP, estamos perante a descarrilada hipótese de os comboios poderem fazer greve. Admite-se, desta forma, que a greve se aplique aos comboios e não a quem é responsável pela sua circulação, independentemente da forma verbal elíptica (neste caso, “convocada”). Assim, considerando que “para” funciona na perfeição como preposição, a frase “convocada greve na CP para comboios em todo o país” é perfeitamente plausível. Poderia ser gralha, mas não é. É determinação do AO 90.

 

Mais lamentável do que a ambiguidade criada pelo AO 90 é o avanço impetuoso para a aplicação de lei tão defeituosa, sem conjuntamente se reflectir de forma séria, serena e ponderada acerca duma ampla revisão da mesma ou do seu completo abandono. A aplicação do AO 90 é claramente promovida por quem sobre esta matéria nem lê o que sobre ela se escreve, nem escuta os argumentos que sobre esta se aduzem. Parecerá um paradoxo dizer-se que só quem não lê pode impor a aplicação de um instrumento para facilitar a leitura, mas que efectiva e objectivamente a complica. Pode parecer absurdo, mas é o que se passa no início do segundo decénio do século XXI, num país chamado Portugal.

 

No PÚBLICO de 7/6/2011, José Mário Costa responde ao editorial da direcção do PÚBLICO de 4/6/.2001. Relativamente a “sector”, estranho que José Mário Costa defenda a dupla grafia, socorrendo-se da transcrição fonética. Apesar de o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora atestar ambas as formas, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências limita-se à transcrição com oclusiva velar [k]. Basear um instrumento ortográfico num “critério fonético (ou da pronúncia)” e alicerçá-lo em transcrições fonéticas, atribuindo-lhes carácter prescritivo, é escorar um erro com outro erro.


Recordo que o facto de em “sector” a consoante C ter valor de acento continua a não ser considerado, quando se trata de componente essencial  das importantes excepções ao processo do vocalismo átono do português europeu. Uma primeira hipótese é o facto de o processo ser desconsiderado. Uma segunda hipótese não se limita à desconsideração do processo, mas à do próprio português europeu.

 

Concordo em absoluto com José Mário Costa, quando afirma: “Faça-se a discussão como outros fizeram, com argumentos sérios e sustentados.” Contudo, o argumento não colhe, por inexistência de árbitro isento que valide o argumento pela seriedade e pela sustentação. A manutenção, a promoção e, pior, o carácter impositivo de um instrumento inadequado à realidade do português europeu é a prova cabal do que acabo de escrever.

 

Afirma José Mário Costa que “a ortografia […] em nada contende com as componentes fundamentais da língua”. Trata-se de um espectacular argumento contra o AO 90, defendido por um seu protector e promotor. Com toda a naturalidade o escrevo, pois já alhures utilizei este mesmo argumento, com menção ao paradoxo. Para José Mário Costa perceber onde quero chegar e para entender a disparidade entre o por si escrito e o por si defendido, desafio-o a substituir “ortografia” por “base IX, 9.º, do Acordo Ortográfi co de 1990”. Verificará, sem grandes dificuldades, o facto de a bota não dar com a perdigota.

 

Quando S. Tomás de Aquino, no De ente et essentia, remetia para o Acerca do Céu de Aristóteles, manifestava uma das grandes preocupações de todos aqueles que reflectem sobre os actos e as acções: o pequeno erro inicial resultará, no final, num enorme erro. Uma supressão perfeitamente arbitrária de um acento numa flexão verbal, tornando-a homógrafa de uma preposição, é esse pequeno erro inicial. Se a esta supressão juntarmos todas as supressões arbitrárias, temos o AO 90 como um conjunto de pequenos erros iniciais, que resultarão num erro final ainda maior do que o próprio: a sua adopção.

 

Autor de Demanda, Deriva, Desastre – os três dês do Acordo Ortográfico, Textiverso, 2009


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publicado por fmvalada às 00:00
Segunda-feira, 20 de Dezembro de 2010

 

Se os especialistas querem ajudar ao debate, a melhor maneira de o fazer não é exigir-lhe que termine

Rui Tavares, PÚBLICO, 02.12.2006

 

Isso que está a fazer, a escrever assim, à mão, é-lhe possível porque existe uma pequena área no seu cérebro que guardou memória gráfica das palavras. É por isso que às vezes escreve uma palavra à mão, para ver como lhe parece correcto, mesmo quando está a escrever no computador

Alexandre Castro-Caldas, depoimento recolhido por Clara Barata, PÚBLICA, 31.10.2010

 

Em 02.12.2006, Rui Tavares escreveu no PÚBLICO um dos mais lúcidos e abrangentes artigos de opinião sobre a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, a famigerada TLEBS. Entre várias reflexões contidas nessa crónica, distingo a seguinte: “Se os estudantes desconhecerem os materiais de que é feita a língua, não só nunca atingirão as alturas do mosteiro da Batalha (ou d’Os Maias), como terão dificuldades em ler um artigo de jornal ou em escrever uma carta de reclamação.” Contudo, a propósito do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), Rui Tavares anunciou recentemente que “escrever é agora para mim um exercício de ouvido. O cérebro procura lembrar-se de como a língua pronuncia aquela palavra, tenta ouvi-la dentro da cabeça, para depois a poder escrever” (PÚBLICO, 27.10.2010).

 

Através desta segunda perspectiva, é possível conjecturar-se que, apesar de conhecer os “materiais de que é feita a língua”, Rui Tavares não considera nem as etapas da aquisição da leitura, nem os parâmetros indissociáveis do conhecimento da ortografia. De outro modo, não defenderia, como vem defendendo, de forma cientificamente tão desprendida, o indefensável AO 90, recorrendo a curiosos exercícios de pronunciação (“Eu digo aquele ‘c’ em espectador e aquele ‘p’ em conceptual? Se sim, escrevo-o. Se não, omito-o”). Na última fase da aquisição da leitura (a fase ortográfi ca), recorre-se à memória lexical, sem se passar por regras de conversão, e o mesmo se aplica à escrita, como se percebe das palavras de Castro-Caldas acima citadas.

 

Com que “materiais” se constrói e que parâmetros se envolvem no conhecimento da ortografia? Em 1988, Philip Luelsdorff enunciou-os de forma muito clara: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e ortografia (incluindo morfografémica). Terá reparado o leitor na ausência de termo tão caro aos autores e promotores do AO 90: fonética. Ao AO 90 faltam bases teóricas, exercícios empíricos, referências científicas. Numa área tão desenvolvida pelo mundo académico, a existência de um instrumento sem referências a estudos leva a que, à partida, se preveja o desastre e, após leitura, se confirme a suspeita.

 

Rui Tavares incorre num erro, propagado por alguma opinião pública, apesar de tanto se ter escrito e dito sobre o assunto. Quando afirma “escrever é agora para mim um exercício de ouvido”, esquece-se de dois factores importantes: o alfabeto latino não é mero vector dos sons da fala e, ao analisar-se com rigor e minúcia o potencial impacto de alterações de um código ortográfico, devem ter-se em conta duas direcções – a da escrita e a da leitura.

 

Comecemos pela direcção da escrita. Por escreverem “de ouvido”, os autores do AO 90 escreveram “insersão” em vez de “inserção”, no título do ponto 7.1 da Nota Explicativa. Este erro foi mencionado por Maria Helena Mira Mateus, num parecer datado de 28.10.2005 e recebido em 31.10.2005 pelo Instituto Camões. Lamentavelmente, este erro manteve-se numa edição de Janeiro de 2009 da Imprensa Nacional–Casa da Moeda. Talvez por distracção, o parecer de Mateus não foi lido nem adoptado por quem o deveria ter feito. Terá sido confundido com papel para forrar gavetas.

 

Passemos à direcção da leitura. Lanço um repto a Rui Tavares: imagine-se membro da categoria “lusitanistas estrangeiros” (expressão do AO 90) e tente pronunciar todas as palavras afectadas pela base IX, 3.º do AO 90 (e.g. “diapnoico”, “dicroico” e “dipnoico”). Fiz recentemente a experiência com profissionais cujo domínio da língua portuguesa está acima de qualquer suspeita e nenhum ousou arriscar a pronunciação com certeza absoluta. E não eram “lusitanistas estrangeiros”, eram portugueses.

 

Pelo contrário, na norma actual, não há qualquer dúvida: o acento marca a abertura do timbre. Excepções? Duas: “comboio” e “dezoito”. Porquê? Convido à leitura do último parágrafo da página 76 do livro que escrevi sobre a matéria em apreço. Garanto que, ao contrário de Malaca Casteleiro e de Dinis Correia, serei sempre incapaz de justificar regras com excepções, como estes autores fizeram na página 18 do opúsculo Atual.

 

Um dos flagelos promovidos pelo AO 90 diz respeito ao aumento de homografias e de homonímias potenciais e reais. Em vez de me debruçar sobre uma “potencial” homonímia, menciono uma homonímia real, criada pelo AO 90 através da supressão do “p” de “óptica”, com a concomitante ambiguidade trazida para o significado “osteodistrofia da cápsula ótica”. Antes do AO 90, apenas ficaria na dúvida um leigo em medicina e utilizador da norma ortográfica do português do Brasil, vacilando entre dois consultórios: o do oftalmologista e o do otorrinolaringologista.

A partir do AO 90, essa ambiguidade estender-se-á a todos os leigos em medicina que escrevam ou leiam em português, independentemente da norma. A otosclerose (significante do significado supra) só afecta algumas pessoas, tem tratamento e não é contagiosa. Ao contrário do AO 90.

Nem o AO 90 se limita à supressão consonântica, nem o papel das consoantes se limita à pronunciação. Se há qualidade a atribuir às consoantes é a de não se limitarem a ser pronunciadas. Sobre esse tema já me debrucei em artigos anteriores: só não os leu quem não quis. Mas poderei voltar à carga. Tal como Rui Tavares, sou a favor de um debate esclarecedor. Nisso, estamos de acordo. Pelo contrário, o Poder solicitou pareceres que não leu e convidou especialistas que não escutou.

 

Em última análise, esse comportamento levou à errada conjectura da actual ministra da Cultura e do seu antecessor de que “facto” não manterá o “c”. Se debate tivesse havido, teriam descoberto, quer uma, quer outro, o “c” de facto, a labiríntica base IV e outras curiosidades, entre as quais se encontra o carácter inadequado do AO 90 para a norma do português europeu. A atitude do “essa discussão já foi feita para trás, não vamos voltar a ela” substituiu a demanda em prol da verdade e a procura de decisões sensatas em nome dos sujeitos escolarizados em sociedades grafocêntricas, ou seja, de todos nós.

 

Espera-se que, ao contrário do sucedido em 1327, num certo mosteiro beneditino no Norte de Itália, o debate não se fique pelo aspecto formal. Já não estamos na Idade Média, embora às vezes pareça.


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publicado por fmvalada às 19:34
Segunda-feira, 23 de Agosto de 2010

 

“Ainda me lembro, fotograficamente, do revisor do jornal, elogiando a minha prosa”

Jaime Bernardes, “E o meu sofrido português, como fica?”, Expresso, 16/08/2010 (1)

 

Ao falar-se sobre o Acordo Ortográfico, não se deve tratá-lo com o estilo e a abordagem nem da compaixão pelo sofrimento de As Terças com Morrie, nem da complacência pelo adultério de As Pontes de Madison County. Confesso que li os dois livros, que desaconselho em termos formais, mas que ajudam a ver a floresta escondida por detrás do discurso lamecha e com o seu quê de autopsicografia (vamos falar de Pessoa, não tarda nada). Por isso, bem vistas as coisas, até aconselho.

 

O Expresso, como se sabe, pela sua teoria arrancada ao éter, poupa letras. Como se depreende da sua redacção actual, gasta acentos e admite facultatividades na capitalização, violando na prática as Bases do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), que defende em Editorial. Por lhe faltarem autoridades com argumentos sólidos, recorre a textos de profundidade emotiva. Eu choraria convulsivamente perante o texto de Jaime Bernardes, não fosse o AO 90 assunto demasiado sério para perder tempo com choradeiras. A diferença é que eu li o AO 90 e aí reside a fronteira entre um choro gratuito e uma cabeça esclarecida.

 

Jaime Bernardes escreve um texto que o Expresso apoda de “comentário”. Há uns anos, Ivo Castro e Inês Duarte escreveram um “Comentário do Acordo” (de 1986) e não divagaram. Um comentário situa-se entre uma análise e uma divagação, tendendo muito para a primeira e pouco para a segunda. Para o Expresso é igual. Tanto faz como fez. Os méritos do Comentário de Castro & Duarte são ignorados pelo Expresso, que prefere divulgar o “comentário” de Bernardes.

 

A palavra “ortografia” não faz parte do “comentário” de Bernardes. A palavra “Base” está ausente. A palavra “consoante” também. Bernardes tem uma opinião pessoal. Não se pode nem defender nem atacar um instrumento científico com opiniões pessoais não sustentadas. Há teses de doutoramento sobre ortografia, há artigos científicos sobre a dita. O texto de Bernardes não é um comentário sobre o AO 90: trata-se de uma pura, mera e simples divagação.

 

Aliás, a única referência à ortografia no escrito em apreço é a seguinte: “Em 1967,  começaram por tirar da língua escrita um montão de acentos desnecessários, embora tenham ido buscar e instituído o trema, um lapso inexplicável para quem, inteligentemente, passou a considerar, em definitivo, o português como a língua do Brasil.” Trata-se de uma opinião inteiramente subjectiva e descosida. Não existe qualquer análise, apenas se adjectivam os acentos (“desnecessários”) e se comenta a acção da instituição do trema (“lapso inexplicável”). O porquê é um enigma. A razão, um mistério.

 

Quando se começa um comentário sobre ortografia com a citação de Bernardo Soares “A minha pátria é a língua portuguesa”, o resto é previsível. Se Copérnico tivesse começado o seu texto revolucionário citando o Eclesiastes, estaria tudo perdido. Como Bernardes gosta desta frase de Soares, devemos depreender que ele ama a língua portuguesa. Como defende o AO 90, pretenderá que quem o defende ama a língua portuguesa. Pior: depreenderá que quem o ataca não ama a língua portuguesa.

 

Se eu começasse um texto sobre o AO 90 com a citação “Philosophia deve escrever-se com 2 vezes PH porque tal é a norma da maioria das nações da Europa, cuja ortografia assenta sobre bases clássicas ou pseudoclássicas”, o que diria Bernardes? O autor da citação é Fernando Pessoa. Em que ficamos? Quem acha que Filosofia se deve escrever “com duas vezes” F não ama a língua portuguesa? O autor é o mesmo, embora haja um heterónimo de permeio.

 

Bernardes continua o seu texto, afirmando que “para os portugueses eu passei a falar à brasileira, enquanto que [sic] para os brasileiros continuei a falar à portuguesa”. Afinal não se trata de um comentário do AO 90, pois Bernardes teima em falar sobre tudo, evitando a ortografia. Adianta ainda que, antes de determinado programa de rádio, dois brasileiros e dois portugueses “discutiam todos os dias quais as palavras mais normais e supostamente mais compreensíveis tanto para portugueses como brasileiros”. Cá temos: léxico. Léxico em vez de ortografia. Continua a senda dos comentários sobre um tema sem se referir o tema.

 

Este texto de Bernardes é o arquétipo da defesa possível do AO 90, perante o descalabro da sua aplicação, apoiada na divagação, na elogiosa referência autobiográfica (ver a epígrafe) e na menção ao sofrimento como derradeiros recursos, uma vez que o rigor não lhe vale. Portugal assim não vai lá e a língua portuguesa muito menos. A fase da Deriva já passou. Estamos no momento do Desastre.

 

Nota: agradeço a Nuno Ferreira, meu antigo colega de curso e Amigo, a chamada de atenção para este texto, que, de outro modo, me teria passado despercebido.

 

Autor de Demanda, Deriva, Desastre – os três dês do Acordo Ortográfico (Textiverso, 2009)

 

1) http://aeiou.expresso.pt/e-o-meu-sofrido-portugues=f599319


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publicado por fmvalada às 21:35
Segunda-feira, 28 de Junho de 2010

 

"A crítica em Portugal é a de que os brasileiros estão mais interessados e se acham mais ávidos porque os portugueses vão ter que alterar mais do que os brasileiros. Não é verdade. Quem diz isso não leu o acordo"

Evanildo Bechara, entrevistado por Fabiana Godoy, PÚBLICO, 10/6/2010

 

Em entrevista ao PÚBLICO (10/6/2010), Evanildo Bechara, “considerado o pai do acordo ortográfico no Brasil”, produz afirmações graves, como a que surge em epígrafe. Nada de surpreendente, vindo de quem, em declarações à Folha de S.Paulo (6/8/2009), chamou “balela” à crítica fundamentada da falta do vocabulário ortográfico comum, previsto no artigo 2.º do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90). Esse vocabulário deveria ter sido elaborado até um ano antes da entrada em vigor do AO 90, conforme então prevista no artigo 3.º. As datas são claras e não requerem relevante formação jurídica para a sua interpretação: 1 de Janeiro de 1993 para o vocabulário e 1 de Janeiro de 1994 para a entrada em vigor. Claríssimas como água. O Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa dá uma nova redacção ao artigo 3.º, relativamente à entrada em vigor do AO 90, mas o artigo 2.º mantém-se inalterado.

 

De um gramático e filólogo, apenas espero uma resposta esclarecedora, académica e científica e não uma “balela” para atirar a conversa para canto ou para escanteio, dependendo da norma escolhida. De Bechara, que acuso publicamente de contribuir para a destruição da norma ortográfica do português europeu, exijo uma resposta digna de um académico (com explicações, remissões e referências) e não que despache o assunto como se lhe estivessem a perguntar as horas e não tivesse nem tempo, nem paciência, nem relógio para responder.

 

Mas concentremo-nos na recente entrevista ao PÚBLICO. Afirma Bechara que quem diz terem os portugueses “que alterar mais do que os brasileiros (...) não leu o acordo”. Quem nitidamente não leu o AO 90, nomeadamente a Nota Explicativa, quando avança percentagens que não requerem formação em estatística para serem percebidas, foi Bechara. Não repetirei argumentos sobre cálculos, já alhures desmascarados e inclusive publicamente comprovada a sua inexactidão por responsáveis pela execução técnica do AO 90. Contudo, para que não restem dúvidas, transcrevo, na simplicidade de uma frase, informação ignorada ou omitida por Bechara e veiculada pelo Ministério da Educação do Brasil: “A unificação da ortografia acarretará alterações na forma de escrita em 1,6% do vocabulário usado em Portugal e de 0,5%, no Brasil”.

 

Um académico desactualizado e desinformado é um académico que transmite informações erradas. Citá-lo em contexto académico constitui um exercício extremamente perigoso. Não recomendo. Bechara refere, entre os “pontos em que havia desacordo”, a existência “em Portugal” [sic] de “consoantes que não se articulam, como por exemplo ‘director’”. Bechara deveria saber que há mais vida para além da mera articulação. Bechara não leu Maria Raquel Delgado Martins, quando refere, em Ouvir Falar – Introdução à Fonética do Português, entre as excepções à regra de redução vocálica, as marcadas ortograficamente por acento agudo ou “por uma consoante muda etimológica, como em baptismo ou director”. Director, professor Bechara. Director!

 

Bechara não leu Ivo Castro e Inês Duarte, em A Demanda da Ortografia Portuguesa, quando realçam que no português europeu “a presença de uma consoante etimológica constitui (...) uma instrução que indica que se está perante um caso excepcional em que o timbre da vogal não é alterado”, nem ouviu Antônio Houaiss, no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 10/12/1990, quando disse: “[esse c] em Portugal, ele tem valor diacrítico”.

 

Diacrítico, para quem não souber, vem do grego διακρητικός e significa, entre outras coisas, “sinal gráfico que permite distinguir a modulação das vogais”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, organizado por João Malaca Casteleiro e prestes a desactualizar-se, por iniciativa e publicidade do seu organizador, apesar de a 1.ª edição (2001) ter menos de dez anos de idade. Se Fabiana Godoy me tivesse perguntado acerca do “gasto desnecessário de dinheiro” e da “imposição das academias”, teria sido esta a minha resposta.

 

Com uma aplicação do AO 90, a norma ortográfica do português europeu finda, como diria o João da Ega, por dispersão e insensivelmente. As conclusões de Martins, Castro, Duarte e Houaiss deixarão de ser verdade, não porque haja qualquer erro científico nas suas conclusões, antes pelo contrário, mas devido a um processo puramente administrativo e absolutamente anticientífico. Como se Vénus pudesse passar a ter uma rotação no mesmo sentido da rotação da Terra apenas porque a administração Obama assim determinasse e a NASA em conformidade obedecesse.

 

Bechara pergunta: “Como é que uma criança que está começando a escrever em Português vai escrever ‘Egipto’ se ela não ouve este p?”. Ficar-me-ia mal aconselhar a leitura de livros e artigos científicos sobre o tema, a um académico que os deveria conhecer melhor do que eu. Mas como é evidente que não os leu, recomendo vivamente a sua leitura. Agora, pergunto eu: como é que uma criança que está a começar a escrever em português vai escrever “homem” se ela não ouve este h e como é que essa criança vai diferenciar o (cito da Base V do AO 90) “emprego do e e do i, assim como o do o e do u, em sílaba átona”, como em “cardeal” e “cordial”, “mágoa” e “tábua”? Perdei meia hora do vosso precioso tempo, professor Bechara, e respondei-me a estas dúvidas dilacerantes. Embora as respostas se encontrem nas Bases II e V do AO 90, por vós aparentemente desconhecidas (“por força da etimologia”, “pela etimologia e por particularidades da história das palavras”, por “condições etimológicas e histórico-fonéticas”), podeis dispor de argumentos adicionais.

 

Respondei-me, professor Bechara, com argumentos científicos, daqueles que surgem em livros, teses, artigos, aulas, debates e seminários. Mas não chameis “balela” a coisas sérias e que dizem respeito a todos os que escrevem e lêem. Se não conseguis defender o AO 90 na vossa área de conhecimento, não tenteis desviar a conversa para foros de indelicadeza, dizendo que “os portugueses sempre se consideraram os donos da língua”. De outro modo, devo concluir que “balela” é todo o processo do AO 90. Para bem da nossa língua, espero estar enganado. Contudo, lamentavelmente, quer-me parecer que não estou.


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publicado por fmvalada às 21:51
Sábado, 03 de Abril de 2010

 


“O Sol nasce e o Sol põe-se e visa o ponto donde volta a despontar”
Eclesiastes 1:5


“Não faz sentido vivermos de costas para o que é hoje o centro da lusofonia, que é o Brasil”
António Costa, director do Diário Económico, in PÚBLICO online, 30.01.2010

 

A segunda frase em epígrafe pressupõe uma modificação conceptual. Enquanto nos princípios da CPLP se podem ler preceitos como “igualdade soberana dos Estados membros” e “reciprocidade de tratamento” e nos seus objectivos se inclui “a materialização de projectos de promoção e difusão da língua portuguesa”, o director do Diário Económico preconiza uma abordagem completamente diferente. Michel Foucault considerou estas mudanças conceptuais como “cortes epistemológicos”. Na linguagem de Foucault, este conceito corresponde a uma mudança de paradigma, com consequências em todas as áreas do saber.

 

No século XVI, a obra de Copérnico De revolutionibus orbium coelestium propunha a teoria heliocêntrica, vindo a provocar uma alteração nos valores até então consagrados e desferindo um golpe misericordioso na concepção geocêntrica, exemplificada na minha referência ao Eclesiastes. Em suma, com Copérnico, a Terra deixava de ser o centro das atenções, passando esta e todo um conjunto de planetas a descrever uma órbita em redor da fonte da vida: o Sol. Caso tenham reparado, a teoria sobreviveu a Copérnico, pois a sua veracidade é mais do que comprovável. Apesar de me ter convencido, há quatro anos, durante um nascer do Sol no Deserto do Mojave, de que o o movimento de translação era do Sol relativamente à Terra e não o contrário, a minha convicção desse momento perderá sempre para a crua realidade copernicana, kepleriana e galileana. É certo e sabido, desde Galileu: eppur si muove! Contudo, António Costa convida-nos a um regresso ao passado, a um retrocesso epistemológico e a um novo tipo de centrismo: o jupitercentrismo linguístico.


Não concordando com a despromoção de Plutão a “anão”, justificada por a sua massa ser inferior, por exemplo, à massa da nossa Lua, devo realçar que esta despromoção me facilita os cálculos para o tema em apreço. O Sistema Solar é agora composto por oito planetas. A CPLP é composta por oito Estados-membros de pleno direito. A conhecida disposição dos oito planetas seria impossível sem o Sol e a CPLP não existiria sem a língua portuguesa. Em termos proporcionais, tendo em conta uma relação entre massa de corpos celestes e área ou dimensão populacional de países, Júpiter equivalerá ao Brasil e Urano a Portugal.

 

Pense-se no Sistema Solar e na posição de Júpiter relativamente ao Sol. E agora imagine-se uma grande revolução no Universo, em que o Sol e Júpiter trocam de posição. O facto de o Sistema deixar de ser Solar, para passar a Jupiteriano, é uma preocupação secundária. Não é o nome que aqui está em causa, nem a confusão orbital, nem a impossibilidade de o Sol poder ser capturado pelo campo gravitacional de Júpiter, nem a possibilidade de tal revolução implicar consequências inimagináveis na estrutura do Universo. No entanto, a improbabilidade de um astro com massa cerca de 333 mil vezes superior à da Terra girar em torno desta a uma distância média de cerca de 150 milhões de quilómetros foi uma verdade indesmentível. Até Copérnico.


Subitamente, eis que a Ciência se vê ignorada e ultrapassada pela opinião não sustentada. A partir do momento em que pensarmos a língua exclusivamente em termos de dimensão populacional, área territorial ou poder económico, abriremos as portas para a justificação da adopção de qualquer instrumento técnico, independentemente da sua péssima qualidade. Justificar-se-á, a esta luz e só a esta luz, o injustificável Acordo Ortográfico de 1990.

 

Não deve a língua portuguesa girar nem em redor do Brasil, nem de Portugal, nem de qualquer país. A língua portuguesa deve estar no centro das preocupações e é em torno dela que os argumentos devem gravitar. As mudanças em aspectos com ela relacionados podem ser de iniciativa política, mas a sua promoção deve ser corroborada por estudos científicos e não apoiada em argumentos que voguem pela arbitrariedade, pela discricionariedade e pela subjectividade. Caso contrário, a língua deixará de ser veículo de comunicação de todos, para passar a mais uma carta no baralho de um jogo dominado por um, mas em que todos saem perdedores; em vez de impulso civilizacional, passará a instrumento individual, quando constitui um património colectivo.

 

Considero nefasta e, em última análise, perniciosa uma mudança de paradigma, sem se preverem as consequências do corte epistemológico. Para se confirmar a validade da minha consideração, convido à leitura do Acordo Ortográfico de 1990 e dos comentários que o justificam e o elogiam. Perceber-se-á rapidamente que a defesa deste péssimo instrumento corresponde apenas a um inusitado e pouco recomendável regresso à Idade Média.


Adenda: Na minha crónica anterior (26/2/2010), houve uma nódoa no pano, um primus que caiu pessimamente antes do inter pares. Culpa minha, minha enorme culpa. Agradeço o reparo de Daniel Jesus, meu estimado amigo, colega e leitor. Agradecendo e corrigindo: “Julgávamos nós que a CPLP era uma comunidade de relações interpares”. O mundo moderno é moldado assim: quem erra deve analisar, corrigir e agradecer a correcção. Talvez não fosse má ideia os autores do Acordo Ortográfico de 1990 adoptarem este tipo de comportamento. Dispensa-se o agradecimento, mas a análise e as correcções são indispensáveis.


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publicado por fmvalada às 23:58
Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 2010


“Faz sentido a comunicação social portuguesa adoptar o Acordo Ortográfico. O Expresso vai, seguramente, adoptá-lo e só ainda não o fez porque temos alguns problemas técnicos relacionados com o sistema editorial e com o corretor ortográfico que estamos neste momento a tentar superar”
Henrique Monteiro, Director do Expresso, in PÚBLICO online, 30.01.2010*


Imaginemos que, do meu ponto de vista, a construção de uma ponte entre o Porto e Fortaleza, com quatro variantes (Bissau, Cidade da Praia, S. Tomé e Luanda), constituía um projecto positivo para a CPLP atlântica. Partamos agora do princípio que todos os governos da CPLP atlântica partilhavam o meu ponto de vista. Pensemos agora que se incumbia a tarefa a um gabinete de engenharia civil e que este apresentava o Projecto da Ponte de Corda. O meu ponto de vista manter-se-ia válido, eu continuaria favorável a uma ponte. No entanto, consciente do material proposto para a sua execução, tornar-me-ia opositor de tal empresa e jamais me veriam a passar na ponte de corda. Entre um artigo indefinido “uma” e um definido “a”, vai uma distância entre o Porto e Fortaleza.

 

Desde há muitos anos que a Direcção do Expresso é defensora de qualquer acordo ortográfico, seja ele de corda, de betão, de aço ou alumínio. Esta posição teve o seu remate final numa “Nota da Direcção”, ** após ficarmos a saber que cada jornalista da Agência Lusa "esteve um dia a reflectir” sobre questões tão cativantes como a filosofia geral do Acordo. Claramente se percebe que ao argumento principal do Expresso (“Do nosso ponto de vista, as novas normas não afectam - antes contribuem - para a clarificação da língua portuguesa.”) falta o nexo de causalidade: de que forma, como, de que modo? Se eu disser que uma ponte de corda contribui para unir os falantes atlânticos da língua portuguesa, tenho de apresentar os motivos da minha afirmação. Dizer “do nosso ponto de vista”, não chega.

 

Ao Expresso falta perceber que, ao defender um Acordo de corda em vez de (no minimo) betão, fragiliza a sua posição. Não se conhecem os estudos linguísticos que validam o segundo argumento (“não consideramos a ideia de que a ortografia afecta a fonética, mas sim o contrário”). Uma tese deve sustentar-se em provas e, salvo me tenha escapado algum dos princípios ortográficos que grassam em textos técnicos sobre a matéria, não conheço qualquer tese fundamentada que determine assertivamente ser a ortografia afectada pela fonética e não o contrário. Peço encarecidamente à Direcção do Expresso que me faculte tais referências, pois, das duas uma: ou não existem ou, se existem, não as conheço.

 

Aconselho a leitura das páginas 64 a 76 do livro Fonética do Português Europeu (Guimarães Editores, 2009), do professor António Emiliano, para que no Expresso se perceba a diferença entre um fone e um fonema, uma letra e um grafema. Recordo igualmente as recentes palavras de Maria Helena Mira Mateus, num parecer do ILTEC para o Instituto Camões: “a ortografia portuguesa é fonológica e etimológica, e não fonética”.***

 

O terceiro argumento do Expresso é demolidor para o próprio Expresso: “O facto de a partir de 1911 a palavra phleugma se passar a escrever fleugma e, já depois, fleuma não trouxe alterações ao modo como é pronunciada. Assim como pharmacia ou philosophia”). Entre pharmacia e farmácia não se percebe se o Expresso se refere ao ph que passou a f ou ao a que passou a ter acento. O ph e o f não poderiam sofrer ambiguidades fonéticas, pois ambos os grafemas se realizam foneticamente da mesma forma. Quanto ao acento que o a ganhou em 1911, nada tem a ver com as opções do Acordo que o Expresso se prepara para aplicar: basta ver que pára perde o acento. Entre a farmácia de 1911 e o para de 1990, temos a diferença entre uma reforma ortográfica de betão e um acordo ortográfico de corda e a prova provada de que, quando matérias técnicas são exclusivamente defendidas com argumentos políticos, o desastre é inevitável.

 

A propósito da regionalização, afirma o professor Freitas do Amaral, no Curso de Direito Administrativo: “Pior do que não ter a regionalização será fazer uma má regionalização, isto é, uma regionalização mal estudada, mal concebida ou mal executada.” Recentemente, na Cimeira de Copenhaga, o presidente do Brasil, Lula da Silva, afirmava “o que nós não estamos de acordo é que as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nós assinamos documento”.

 

O Acordo que o Expresso, a Lusa e o Diário Económico se preparam para aplicar foi mal estudado, mal concebido e, por conseguinte, será mal executado. É pena que, em vez de promoverem uma reforma da ortografia bem planeada, adequadamente concebida e sustentavelmente executada, o Expresso, a Lusa e o Diário Económico se preparem para aplicar “qualquer documento”. Em vez de um acordo de betão, aço ou alumínio, preferem um Acordo de corda. E a corda lá acabará por rebentar. Inevitavelmente. Para mal de todos nós.

 

Adenda: “O país não pode fechar-se em si mesmo. Não faz sentido vivermos de costas para o que é hoje o centro da Lusofonia, que é o Brasil”. Esta frase de António Costa, do Diário Económico, demonstra bem que a subserviência ultrapassa qualquer resolução técnica. Julgávamos nós que a CPLP era uma comunidade de primus inter pares. **** Segundo o Diário Económico, afinal, estávamos todos completamente enganados. Enquanto o Expresso faz um esforço técnico, ainda que incipiente, o Diário Económico vai ao cerne da questão.

 

* http://www.publico.clix.pt/Media/expresso-e-diario-economico-adoptam-novo-acordo-ortografico-nos-proximos-meses_1420561

** http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/560811

***http://www2.fcsh.unl.pt/docentes/aemiliano/AOLP90/ILTEC2005.pdf

**** ver correcção:


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publicado por fmvalada às 23:50
Segunda-feira, 18 de Janeiro de 2010

São diversos os argumentos a favor do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), mas todos partilham uma característica comum: são rebatíveis, quer no plano retórico, quando de retórica se alimentam, quer no plano factual, quando de factos alheios à realidade se servem. No plano técnico, continuamos todos à espera, uns impávidos, alguns serenos e outros nem uma coisa nem outra, que se rebata o irrebatível e se proponha o princípio revolucionário, com bases de sustentação, aniquilador de toda a doutrina em matéria ortográfica e de todos os pareceres fundamentados, escalpelizadores deste AO 90. Escalpelizadores e reprovadores, sublinhe-se. Sentados, continuaremos todos à espera.

 

Nem a Einstein foi dado o impróprio privilégio de ver teorias não provadas serem gratuitamente abraçadas e directamente vertidas em texto legislativo. Já agora, nem ao LNEC. Einstein, para provar que Newton estava errado, teve de aguardar por um eclipse solar. O LNEC, para ver conclusões suas transformadas em lei (refiro-me ao relatório sobre o novo aeroporto de Lisboa), teve de levar a cabo estudos. Quanto aos autores do AO 90, não precisam estes da teoria sancionada nem de estudos, servindo-se do eclipse científico. Felizmente, para todos nós, a Física vale-se exclusivamente de factos comprováveis e a quem avalia aeroportos e pontes não basta tecer uma avaliação subjectiva, devendo apresentar argumentação tecnicamente válida. A Linguística também tem factos comprováveis e comprovados para apresentar, mas já todos percebemos que há ciências mais iguais do que outras.

 

Um argumento factual, que eu julgara definitivamente afastado da argumentação pró-AO 90, porque medularmente falso, adrede ligeiro e notoriamente avulso, é o da ortografia «excludente». Já alhures tive oportunidade de rebater este argumento, perante o Sr. Embaixador Lauro Moreira. Devo repetir-me, aqui e agora, perante a incrível frase de José Mário Costa «Há toda a diferença entre uma língua, a nossa, com duas ortografias oficiais (repito: ortografias oficiais), antagónicas e excludentes entre si, e o inglês» (Público, 12/01/2010).

 

O princípio «excludente» carece de explicação e passo a explicá-lo. «Excludente», na argumentação pró-AO 90, significa que uma criança brasileira reprovará numa escola portuguesa se utilizar a norma ortográfica do Português do Brasil e que uma criança portuguesa reprovará numa escola brasileira se utilizar a norma ortográfica do Português europeu. Pretendem os defensores do AO 90 que este quadro se alterará com a aplicação do AO 90. Nada de mais falso.

 

Se uma criança portuguesa escrevesse numa redacção a improvável frase: «Após o doutoramento do meu pai, comecei a sentir-me afectado», não creio que, numa escola brasileira, se concentrassem tanto no c de «afectado», mas antes se preocupassem com o «doutoramento» que deveria ser «doutorado», com o «do meu pai» que se imporia ser «de meu pai» e com o «a sentir-me» no lugar de «me sentindo», ou seja: «Após o doutorado de meu pai, comecei me sentindo afetado». Poderíamos então, à ortografia «excludente», acrescentar a morfossintaxe e o léxico «excludentes». Mas não nos centremos na subjacente ideia de "unificação da língua portuguesa", pois de ortografia aqui se trata.

 

Vamos aos factos. Segundo José Mário Costa, a ortografia «excludente» não se aplica ao Inglês. Limito-me, como matéria de séria reflexão, a deixar duas notas sobre a redacção em Inglês, a nível académico: uma da Universidade de Oxford (Reino Unido) e outra da Universidade de Stanford (EUA), para que as coisas surjam como são e não como se pensa que poderiam ser.

 

A primeira distingue um «não» em maiúsculas ("NOT") relativamente ao putativo uso da grafia consuetudinária do Inglês dos EUA («Use British English rather than American English, e.g.: towards; amid; while; NOT toward; amidst; whilst») (1) e a segunda, em caso de dúvida, aconselha um dicionário americano e não um britânico («Please use American spelling. If unsure, please consult Webster´s Tenth New Collegiate Dictionary and use the first entry of spelling») (2). Posso voltar a este argumento, mas penso que ficámos esclarecidos.

 

Acresce ainda não poder esta matéria ser «arrumada na prateleira da história» (José Mário Costa, Público, 12/01/2010), considerando a relevância dos argumentos por mim e por outros apresentados. Arrumam-se argumentos, após dissecados e determinada a sua improcedência. Quando não, a sua relevância mantém-se. Pelo contrário, faltam aos argumentos do AO 90 estudos que os sustentem, tornando-os numa espécie de ornitorrinco, um enigma na classificação, um desafio semiótico. As conclusões do AO 90 foram traçadas, quer numa bissectriz contrária à doutrina, quer numa trissectriz que ignora a realidade. A propósito, «bissectriz», segundo o AO 90, passa a «bissetriz», mantendo-se, contudo, «trissectriz». Porquê? Perguntai aos autores do AO 90, que assim decidem em Vocabulário, ou olhai os lírios do campo e obtereis a mesma resposta.

 

O AO 90 limita-se a ignorar toda a doutrina, pretendendo-se parecer, mas sem método visível para sequer o parecer. Ao contrário do ornitorrinco, que tem acção benigna no meio que o envolve, o AO 90 apenas se distingue por ser diferente.

1) http://www.ox.ac.uk/branding_toolkit/writing_and_style_guide/spelling.html

2) http://ual.stanford.edu/pdf/pwr_boothestyleguide.pdf


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publicado por fmvalada às 23:44
Quinta-feira, 07 de Janeiro de 2010

O debate em redor do Acordo Ortográfico voltou à estaca zero, com o artigo de José Mário Costa, no Público de 4/1/2009.* No artigo, intitulado «Alguns pontos nos ii sobre o Acordo Ortográfico», nem se vislumbra qualquer referência aos vícios do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), assinalados em pareceres técnicos e em comentários razoados, nem se manifestam as razões linguísticas que demonstram a inaptidão do AO 90 para um sistema de escrita de base alfabética, nem se atalha o facto de o AO 90 ter passado incólume ao crivo especializado e a estudos e avaliações, ao contrário do que sucede com qualquer projecto com incidência no quotidiano.

 

José Mário Costa apresenta a questão da dupla grafia, ignorando a questão central. Em nenhuma ortografia sucede a facultatividade irrestrita prescrita pelo AO 90. A dupla grafia que José Mário Costa apresenta para o inglês não se aplica às letra e forma do AO 90. Os dicionários ingleses (por exemplo, o New Oxford Dictionary of English de 1998) sublinham, para theatre, plough ou sceptic, as grafias theater, plow e skeptic, com a menção explícita "US". Em alemão, em contextos específicos, que não vou explanar, para não maçar aqui os leitores, o uso do Eszett (ß) não se aplica à Suíça, sendo esse facto explicitamente mencionado no texto do Acordo de 1996, determinando-se que na Suíça se pode escrever sempre "ss".

 

Pelo contrário, se José Mário Costa conferir o VOLP da Porto Editora, verá que carácter se grafa caráter e/ou carácter, constituindo duas grafias para o mesmo significante na mesma norma culta, ao contrário de grafias "duplas" que Malaca Casteleiro apresenta, à laia de justificação, no Preâmbulo do VOLP da Porto Editora, como arena e areia. Qualquer leigo sabe que areia e arena não são a mesma palavra, pois numa arena há areia e areia pode haver noutros locais que não numa arena. O VOLP da Porto Editora, da responsabilidade de Malaca Casteleiro (igualmente co-autor e negociador do AO 90), pretende aplicar-se exclusivamente à norma do português europeu. O desastre que se segue à aplicação do AO 90 é evidente.

 

Se acrescentarmos o facto de no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), organizado por Malaca Casteleiro, o segundo c de carácter se pronunciar, não havendo excepção a esta regra, o desastre é total. Se recordarmos que se prepara a coexistência de três Vocabulários para a norma do português europeu com o VOLP da Academia Brasileira de Letras, o desastre seria risível, não fosse real.

Erro crasso, porque prenhe de subjectividade, é o comentário de José Mário Costa: "Quem está contra o Acordo Ortográfico, este ou qualquer outro, estará até ao fim dos seus dias". Eu, autor de livro contra o AO 90, sou favorável a uma reforma ortográfica (sob forma de acordo ou sob outra forma), desde que se respeitem os princípios de uma ortografia de base alfabética e que se não limite a sua base teórica a um "critério de pronúncia" vago, errado e ambíguo.

 

Sou favorável ao Acordo Ortográfico de 1945, com críticas a opções de pormenor, mas não aos seus princípios gerais. Não sou favorável a um Acordo publicitado como "uma das medidas mais urgentes para a unificação da língua portuguesa", como afirmou Solange Parvaux, em 2004, na Fundação Calouste Gulbenkian , esquecendo que as divergências morfossintácticas e lexicais impedem tal projecto, no mínimo, megalómano. Sou favorável a uma reforma ortográfica que dignifique a minha língua e não a qualquer documento nem a qualquer processo que se baseie exclusivamente em relações de poder, em questões que envolvam "locomotivas" e "inevitabilidade", quando as razões da ortografia são linguísticas, devendo estas ser escutadas e analisadas por quem de direito e não ofuscadas por luzes que do rigor há muito se afastaram.

 

Adenda: Preparava-me para enviar este artigo, quando me deparei com a "Heterodoxia ortográfica" do professor Vital Moreira (PÚBLICO, 5/1/2010). Permito-me sublinhar cinco pomos de discórdia:

 

1 - A "confusão duradoura em matéria ortográfica" aplica-se, não à louvável iniciativa da Direcção do Público, mas a este AO 90, como acabei de demonstrar ;

 

2 - As "intensas discussões académicas e políticas" aplicam-se, não ao AO 90, mas ao seu antecessor, o AO 86. Se a existência de uma discussão legitima decisões contrárias ao resultado dessa discussão, deveremos todos rever o conceito "discussão";

 

3 - Quanto à "convergência ortográfica" e à "uniformidade fonética", recordem-se dois pontos cruciais: a) Este AO 90 promove grafias diferentes na mesma norma culta, à custa de um "critério de pronúncia", arbitrário por natureza; b) Este AO 90 promove a incoerência gráfica entre formas afins, a opacidade crescente e a ambiguidade semântica;

 

4 - A questão essencial continua a escapar a muitos espíritos, mesmo aos reconhecidos pela sua argúcia: o AO 90 é um mau instrumento linguístico, com consequências negativas para o futuro;

 

5 - Uma última nota, relativamente ao "conservadorismo ortográfico". Em qualquer Ciência, o conservadorismo deve pautar-se pela presença em termos de método, para que o objecto definido (em Linguística, por natureza, mutável) possa ser descrito com exactidão e sobre ele se possa prescrever com rigor. Não pode é a disciplina potenciar mudanças no objecto, através da perversão do método. Quando coacção se tornar homófona de coação ou sempre que se duvidar se para é verbo ou preposição, os nocivos efeitos deste AO 90 começarão a reflectir-se no quotidiano.

 

A tomada de posição por parte da Direcção do PÚBLICO é notável, pois mantém a aplicação de um instrumento ortográfico que respeita os princípios de uma escrita de base alfabética, não cedendo a outro (o AO 90), que tem muito de pseudofonético e pouco de ortográfico.

 

*4/1/2010


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publicado por fmvalada às 23:36
Conjunto de artigos sobre um instrumento político de má qualidade técnica.
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